Haroldos, botos & antologias: uma crônica da poesia paraense
Uma antologia de poetas pretende reunir vários nomes da poesia paraense em três volumes e, através de financiamentos coletivos, produzir belos livros que serão doados para bibliotecas públicas, com a presença dos autores interagindo com alunos e professores. Bonito, não? Quem poderia imaginar que alguém se posicionaria contra uma iniciativa tão bela e necessária como essa? Pois bem, falo da Antologia da Poesia Paraense, projeto organizado pela Pará.grafo Editora que tive contato através do jornal O Liberal desta semana e que, por incrível que pareça, tem sido alvo de grande (e desnecessária) polêmica no meio literário paraense.
Como bom catiteiro que sou, fiz uma pesquisa minuciosa em páginas e perfis facebookianos para tentar entender o motivo de tanto escarcéu e organizei numa linha do tempo para facilitar para mim e para vocês que estão lendo essa crônica. Obviamente, muita coisa deve ter escapado ao olhar: os bastidores, as conversas em grupos de whatsapp, os telefonemas... Mas o caldo grosso da polêmica ficou exposto em modo público em várias postagens no Facebook e juntei o quebra-cabeça. Vamos lá.
# A matéria da discórdia
O primeiro indício de desentendimento aconteceu no dia 10 de agosto, ao que me parece, numa publicação na página da Pará.grafo Editora que divulgava a matéria sobre o projeto que havia saído no jornal Diário do Pará seis dias antes. Ocorreu que um dos participantes da antologia, a poeta Vânia Alvarez, se sentiu ofendida por não ter sido citada pela jornalista na matéria em questão. O editor e também participante da antologia, Girotto Brito, respondeu o comentário dizendo que a omissão de alguns nomes na matéria foi feita pelo editor do jornal, provavelmente para enxugar o texto. Vânia, no entanto, permaneceu irredutível. Pouco tempo depois os comentários foram apagados e não pude ver o desfecho da história.
# A semente do caos
O problema poderia ter findado aí, mas um dia depois (11/08) o poeta Vasco Cavalcante, também participante do primeiro volume da antologia, publicou no grupo Cultura Pará uma divulgação do projeto da Antologia da Poesia Paraense. O texto da postagem era da matéria recém publicada no jornal O Liberal, de autoria da jornalista Ana Carolina Matos, que entrevistara o escritor Franciorlyz ViannZa (também participante da antologia) e o poeta Ronaldo Franco (idealizador do projeto). Nessa entrevista, Franciorlyz falava sobre os critérios que foram adotados para a escolha dos 20 poetas que integram o primeiro volume:
"Entre os critérios, levamos em conta a qualidade técnica, notório saber, importância social, contribuição para literatura contemporânea e também militância poética e literária. Buscamos não apenas quem faz poesia mas quem é engajado numa luta pela valorização da literatura, mas também, sobretudo, a qualidade do material"
Foi aí que surgiu o poeta Edmir Bezerra e implantou a semente nos comentários:
"Com todos esses critérios, não colocar o nosso poeta maior e mais militante Antonio Juraci Siqueira no topo da primeira edição, não sei é de nada. Ou alguma coisa está fora da ordem."
Franciorlyz e a Pará.grafo Editora justificaram que "Não há uma ordem. O segundo volume não é mais ou menos relevante que o primeiro ou o terceiro. Cada volume terá suas características próprias e seus personagens.", mas Edmir defendeu a tese de que o primeiro volume deveria reunir "os melhores". Aí a Pará.grafo adotou um tom mais forte e irônico (que particularmente eu gostei bastante):
"É uma Antologia, Edmir. Não um sistema de castas. O projeto não tem nenhuma intenção de hierarquizar os volumes, mas torná-los igualmente relevantes e interessantes para o leitor."
Edmir concordou e se calou. Mas a treta não termina aí, só estamos começando. :-)
# O boto sai das águas e traz consigo a história
Talvez aqui, você leitor já tenha entendido que o poeta Edmir Bezerra não meteu o nome do lendário poeta-boto porque é um amigo leal e defensor das causas aquáticas, mas puramente por recalque e mesquinhez. Não ter sido convidado para o primeiro volume (que ele acreditava ser a reunião dos melhores) doeu-lhe o cotovelo. Não poderia defender sua própria causa, então usou o nome de Antônio Juraci Siqueira, pois quem não defenderia a presença do boto na antologia? Mas deu ruim.
Citado pelo colega, Antônio Juraci Siqueira resolveu manifestar-se em seu perfil:
"Começo tirando o meu chapéu em reverência e respeito aos organizadores e participantes, reafirmando que "tudo vale a pena se a alma não é pequena". [...] Voltando à antologia que tem entre os organizadores os queridíssimos Poetinha Ron Franco e Franciorlyz ViannZa, quero dizer ao não menos poeta e amigo Edmir Bezerra que eu não fui esquecido, muito pelo contrário, fui um dos primeiros a ser convidado pela querida irmã de sonhos e lutas, Vânia Alvarez, mas declinei do convite pelas razões aqui expostas."
Isso mesmo. Juraci já havia sido convidado para a antologia, mas declinou por razões pessoais. Aqui, Juraci coloca sem querer um anzol na garganta de Edmir, cujo ataque se baseava justamente no não-convite ao boto.
Toda a postagem de Antônio Juraci Siqueira é bem lúcida, e ainda nos presenteia com a lembrança de uma treta entre os escritores Haroldo Maranhão e José Ildone, na década de 80, também por causa de uma antologia. (Veja a postagem completa AQUI.)
Edmir foi lá na postagem do amigo cetáceo e comentou com afagos e moderação (para disfarçar o evidente constrangimento).
Ok. Todo esse fuzuê poderia ter se encerrado aí. Mas... na-na-ni-na-nããão! kkkk
Em seu texto, Juraci explicou sobre os vários tipos de antologia, para justificar o porquê de ter declinado da antologia em questão. Entre os vários tipos, ele define uma em especial como "Caça-níquel": aquelas em que os autores pagam para fazer parte. Foi aí, no uso desse termo que, sem querer, o boto mordiscou o rabo de outra personalidade, o poeta marabaense Airton Souza, que é responsável pelo projeto Anuário da Poesia Paraense, antologia que publica poetas paraenses há sete anos, e é paga.
# Boto, não mexa no meu peixe!
Indignado com a acusação que sequer fora dirigida a ele, Airton não demorou para soltar uma nota de defesa/repúdio em seu perfil. Não citando o nome de Antônio Juraci Siqueira, obviamente para não comprar briga direta com o cetáceo que veio à terra firme fazer poesia, o marabaense escreveu:
"Doa a quem doer, o trabalho em torno do Anuário da Poesia Paraense é um trabalho sério, comprometido com a possibilidade de ouvir vozes. É independente, feito por todas as mãos que se juntam, a cada ano, para não deixar ele morrer. São quase 7 anos. O custo que cada escritor paga, e isso não deixa esse projeto ser uma antologia caça-níquel como definem alguns, mal dar para pagar a impressão."
Muita calma nessa hora! Ou como dizia o Chapolin Colorado: não priemos cânico!
Sabendo da defesa desnecessária feita pelo Airton Souza (digo desnecessária pois nada tinha sido dirigido a ele, e entendo que o termo caça-níquel usado por Juraci não se aplica em antologias com o Anuário, que só recolhe o necessário para sua existência), Juraci preferiu não entrar num confronto e alimentar um desafeto, apenas comentou em sua postagem original:
"Contudo, há Antologia e antologia, como fiz questão de frisar. Temos boas, ótimas e até excelentes. E isso em todas as categorias. Até mesmo nas caça-níquel encontramos algumas bem feitas e de boa qualidade literária. E houve gente, em postagem fora daqui, vestindo a carapuça como se eu estivesse me dirigindo a ela, quando apenas estava generalizando e com ressalvas."
Ok. Parecia que tudo estava resolvido. Mas não. Quanto se trata de tretas literárias, o Pará é imbatível.
# O caso Gigio e Alfredinho
Pegando o gancho de toda essa confusão que se desenrola há uma semana, levanta-se da tumba o escritor Gigio Ferreira e resolve chamar para a briga seu mais antigo desafeto literário, o escritor Alfredo Guimarães Garcia. Solta no grupo Escritores Paraenses, no Facebook, a pérola:
"Airton Souza... nunca me enganei com o pangaré Alfredinho!!! Canalha!!! Patife!!! Filho de uma puta!!! Escritor que o boi cagou!!!"
Oi? Gigio? Você está bem? Vocês perceberam que o Gigio está completamente perdido na história. Ele atribuiu ao Alfredo Guimarães Garcia o motivo da postagem que o Airton fizera (em resposta ao Juraci). Ou seja, o Gigio só precisava de um motivo qualquer para usar de seu riquíssimo e culto vocabulário de escritor para qualificar a mãe de seu opositor das letras.
Em resposta (por que num universo treteiro que se preze sempre há uma resposta), o Alfredo escreveu:
"GF, O OBTUSO. O escritor que despontou para o anonimato, quer aparecer de novo. Mano, enfia um tubo de ozônio no toba!"
Gente, desculpa pelos palavrões, mas eu precisava mostrar o nível do debate aqui. Alfredo foi mais elegante na resposta, embora ainda chula.
Observa-se que nesse caso o desentendimento é puramente pessoal, por que o Gigio, como eu posso dizer, ainda precisa aprender muito para se tornar aspirante a escritor. É muito criativo com os títulos de seus livros, mas a criatividade começa e acaba aí. [Importante deixar claro que essa é uma opinião minha, de leitor e apreciador de literatura] Alfredo não é um gênio da literatura, mas produziu algumas coisas muito boas.
# Mas e a antologia?
Enfim, tudo gira em torno da Antologia da Poesia Paraense, idealizada pelo poeta Ronaldo Franco. O projeto está aí, me parece muito bem organizado e o objetivo é louvável. O simples fato de se disporem a doar os exemplares (os livros não serão vendidos, só vai ter em casa quem apoiar a campanha de financiamento coletivo) para bibliotecas públicas e levar os autores para socializar com a comunidade estudantil já é de tirar o chapéu. Sem falar que um livro que reúne poemas de Airton Souza, Luciana Brandão Carreira, Daniel da Rocha Leite, Paulo Nunes, Vasco Cavalcante, Antônio Moura, Franciorlyz ViannZa, entre outros talentos da nossa literatura, só pode ser bom ou excelente. (Vânia, não vou citar o nome de todos. Perdoe-me!)
Nesse primeiro volume são 20 poetas participando, mas terão outros dois volumes e provavelmente alguns desses que hoje estão criticando o projeto serão convidados para integrar o grupo. Aceitarão o convite envergonhados ou declinarão do convite abrindo vaga para outros nomes? Só saberemos mais para frente. Estarei com meu modo catiteiro ativado para trazer notícias para vocês. Enquanto isso, deixem de ser morrinhas e apoiem a antologia lá no Catarse!
É só acessar o site www.catarse.me/poesiaparaense e adquirir seu exemplar dessa antologia que está dando o que falar.
:-)
Fernando Bertoni
fffbertoni@gmail.com
Não o conheço, Fernando Bertoni. Você não me conhece. Saiba que não me senti nenhum pouco constrangido, nem me acho um mesquinho.
ResponderExcluirSenti-me livre para rabiscar uma opinião. Foi e é somente isso.
Sobre o muito amigo Juraci, lhe digo que você não conhece uma vírgula de nossas conversas e nossa amizade. Sobre a antologia, devo dizer que entre os organizadores, já há bem tempo alguém já havia entrado em contato comigo e me contado toda a história.
Os que me conhecem sabem que não participo de antologias, nem de concursos literários. Não sou um homem de grandes ambições, nem pretensões literárias que me tragam comportamentos desleais.
Registro ainda meu grande apreço, admiração e amizade com meu irmão Airton Souza. Sim, esse considero um verdadeiro irmão.
Pelo Ronaldo Franco tenho grande estima. Com admiração vejo o trabalho do Girotto. E a Vânia? Uma amiga mesmo. Temos planos e projetos pela frente.
A você desejo êxitos em suas jornadas. Se quiser ter algum dos meus livros, basta me dizer seu endereço postal que lhe enviarei. Nos próximos meses estarei lançando um livro novo. Desde já, dele lhe faço oferta.
Saudações,
Edmir Carvalho Bezerra
Edmirveropoema@gmail.com
Fernando Bertonni, não o conheço e você também não me conhece. Não há entre nós nada que nos tenha aproximado. Então devo dizer que não tenho nenhuma vaidade em participar de uma Antologia e que me irritei por meu nome não ser citado em uma matéria de jornal. Tenho um grande nome a zelar e também sou bastante conhecida como professora universitária, pesquisadora de Literatura Brasileira da Amazônia e escritora.
ResponderExcluirNão me prendo a essas vaidades. Inclusive fui responsável juntamente com o poeta Ronaldo Franco pela maioria dos poetas convidados. E me sinto responsável por eles. Se um deixa de ser citado, pode causar incômodo e mal- estar.
Foi essa a questão. Falei que nenhum nome deveria ser omitido. E fui apoiado pelo Grupo
Tanto que outra reportagem foi feita, reparando o "erro".
Seu julgamento a meu respeito é falso e injusto. E os que me conhecem sabem que o que falo é verdade.
Tenho defendido e lutado contra a invisibilidade dos escritores paraenses. Tenho obras acadêmicas referenciais nesse sentido. E portanto, é esse o meu caráter.
Seja feliz. Mas antes de publicar um fato, verifique a veracidade.