RESENHA: "Velas na Tapera", de Carlos Correia Santos
Saudações, meus caros!
O colaborador Girotto Brito nos enviou esta maravilhosa resenha do premiado romance Velas na Tapera, do escritor e músico paraense Carlos Correia Santos.
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Hoje terminei um dos livros mais notáveis que tive o prazer de conhecer na Literatura Paraense. Romance vencedor do Prêmio de Literatura Dalcídio Jurandir (Fundação Cultural do Pará), em 2008, Velas na Tapera se apresenta como um regionalismo histórico, namorando com o realismo fantástico. A narrativa, carregada de uma prosa poética deliciosa, nos lembra o escritor que dá nome ao prêmio, Dalcídio Jurandir.
O romance nos conta a história de Rita Flor e sua dor, sua lágrima solitária cristalizada na face:
"Rita Flor não movia um milímetro em sua alma. Não oscilava uma emoção sequer. O olhar atado ao pequeno caixão de madeira crua que continha sua filha. Um ver que não via nada. Um enxergar vazio. O que podia na vida uma mulher que aos dezoito anos perdera o marido? O que podia na vida uma mulher que aos vinte e dois perdia a filha única para uma doença sem uma única explicação?" (Página 21)
Nesse triste contexto, nossa protagonista assume seu luto diante dos olhares acusadores e preconceituosos dos poucos moradores do decadente distrito de Fordlândia -- local embrenhado na mata amazônica, às margens do Rio Tapajós, onde Henry Ford tentou, sem sucesso, implantar um centro agroindustrial em meados dos anos 1930.
Rita se vê (e é vista) como uma desafortunada, mas ao vivenciar uma experiência divina, acredita-se incumbida de uma importante missão, dada pela sua própria filha morta, a pequena Saninha.
O enredo traz diversos personagens interessantes: o pastor O'Brien e sua "madrinha" Hannah, que se gostam mas não se entregam por conta do medo do pecado; a velha Tiana, saudosista ao extremo que vive a escrever (mas nunca postar) infinitas cartas ao Sr. Henry Ford solicitando a retomada do fracassado projeto industrial; o comerciante Pedro da Luz, que alimenta um amor quase platônico por Rita Flor, a velha Carmem e suas meninas de "ancas, coxas e virilhas"..., mas a personagem que me chamou mais atenção foi Naiara.
Naiara é uma puta poeta (desculpem-me o trocadilho)! Personagem coadjuvante no enredo, ela acolhe a perdida e tomada de febre Rita Flor, e cuida dela no bordel da velha Carmem. A personagem Naiara me fez lembrar, em vários aspectos, o personagem Eutanázio do romance "Chove nos campos de Cachoeira", de Dalcídio Jurandir. Talvez pelo espírito melancólico, pela tristeza recorrente, por de certa forma serem ambos "poetas fracassados", ou por serem coadjuvantes que ganham inesperado protagonismo na história.
Carlos Correia Santos foi genial ao fazer uma inesperada referência: Naiara, a poeta de bordel, aprendeu o ofício da poesia ao enamorar-se com um dos maiores poetas da Literatura Paraense (que obviamente não vou revelar aqui para não estragar essa deliciosa surpresa que o leitor tem ao desvendar essa história). Mas como pista, e para findar esta pequena resenha, deixarei um poema por ele escrito e dedicado à triste Naiara:
O SEU ÚNICO CRIMEDorme, sossegadinho, em meu peito geladome pobre coração cansado de sofrer,e fiques sempre assim: calmo, brando, calado,na atitude feliz de alguém que vai morrer.Dizem que foste mau. Mas não, não posso crer,pois, se, alguma vez, fremiste em ímpeto ardentadofoi que o arguilhão da dor, em brasa, envenenado,espicaçou-te muito e fez-te enlouquecer.Ser triste, foi o fado fatal que te puseram.Mas não guardaste em troca o mal que te fizeram,jamais um laivo só de mesquinho rancor.Só cometeste um crime, e esse crime medonhofoi nunca sepultar o cadáver de um sonhoúnico sonho meu de ventura e de amor.
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